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O Diário de Notícias e o 25 de Novembro de 1975: um momento de mudanças

The Diário de Notícias and the 25th November of 1975: a turning point
Pedro Marques Gomes
p. 23-40

Resumos

O presente artigo pretende analisar as transformações operadas no Diário de Notícias, após os acontecimentos do 25 de Novembro de 1975, um momento de viragem no processo revolucionário português. Assim, analisando o caso concerto deste jornal, podemos concluir que, através da nomeação de novas estruturas administrativas e directivas e do afastamento de alguns trabalhadores, procedeu-se a uma ruptura em relação à anterior linha editorial do jornal. No entanto, esta nova atitude dos órgãos superiores do DN não foi pacífica, colhendo resistência no seio da empresa, o que demonstra, em última análise, não só a importância da imprensa neste período, como também o poder dos trabalhadores sobre este jornal em concreto.

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1Considerado, por muitos, o final da revolução, o 25 de Novembro de 1975 deu origem a mudanças um pouco por todos os sectores da sociedade portuguesa, sendo um dos mais evidentes o da Comunicação Social. Por isso, a par da análise do papel da imprensa na criação do clima de “psicose golpista” (Rezola, 2006: 498) que caracterizou este momento, torna-se cada vez mais relevante estudar também as transformações operadas nos próprios jornais no período que se seguiu.

2Ainda que permaneçam inúmeras incógnitas sobre os principais episódios que marcaram o 25 de Novembro, a verdade é que este constituiu um momento de clara viragem na transição portuguesa para a democracia, originando uma “nova relação de forças político-militares” e uma redução substancial dos poderes militares e do Conselho da Revolução, o que permitiu aos partidos políticos ficarem com o “caminho aberto para o pleno exercício das responsabilidades que lhes advinham de únicas entidades sufragadas pelo voto popular” (Reis, 1993: 60-61). Efectivamente, a partir deste momento, foram criadas as condições para serem dados novos passos tendo em vista a normalização democrática, o que vem a acontecer logo no decorrer do ano de 1976, com a aprovação da nova Constituição, a realização das primeiras eleições legislativas e, mais tarde, das eleições presidenciais, as primeiras livres, por sufrágio directo e universal.

3Sendo o Diário de Notícias um jornal onde as transformações do processo revolucionário se fizeram notar de forma significativa, pensamos ser relevante analisar o pós-25 de Novembro neste periódico, tentando colmatar a lacuna que existe na historiografia portuguesa sobre a imprensa neste período.

O Diário de Notícias no «Verão Quente» de 1975

4Decorrido mais de um ano da revolução de Abril de 1974, no «Verão Quente» de 1975 a indefinição político-militar intensificava-se progressivamente. O processo conhece um considerável aceleramento na sequência do 11 de Março, assistindo-se a uma crescente hegemonia dos sectores afectos ao primeiro-ministro Vasco Gonçalves e do Partido Comunista Português (PCP).

  • 2 O director do jornal era José Ribeiro dos Santos e o director-adjunto José Carlos de Vasconcelos.

5Estas alterações políticas estenderam-se ao campo mediático, sendo este período marcado por um “forte domínio dos média por parte da esquerda comunista e radical” (Cádima, 2001: 330). A este respeito, o jornal Diário de Notícias é particularmente exemplificativo, já que, após um período em que foi dirigido por dois nomes próximos do Partido Socialista (de Junho de 1974 a Março de 1975)2, vê a direcção afastada “na sequência do «assalto» do Partido Comunista ao jornal, cuja administração foi substituída” (Lemos, 2006: 265). O DN passa então a ter como director o jornalista Luís de Barros e como director adjunto José Saramago, ambas figuras próximas do Partido Comunista Português, embora o primeiro só viesse a filiar-se mais tarde. Zita Seabra, então militante desse partido, diz que a estratégia era muito clara: “uma das condições para a vitória da revolução era o controlo dos órgãos de comunicação social”. Por isso, “uns nacionalizaram-se e foram mandados para lá militantes para pôr ordem na casa, como o Diário de Notícias com José Saramago, outros foram encerrados à força, como O Século”. Nos casos República e Renascença, ter-se-á seguido a “táctica clássica de arrancar com uma «luta dos trabalhadores contra o patronato»” (Seabra, 2007: 288).

  • 3 Cf. Pedro Marques Gomes (2011) Imprensa e Revolução: Os Saneamentos Políticos no Diário de Notícias (...)

6O período em que o jornal é dirigido pela dupla Barros/Saramago será, assim, marcado por inúmeras polémicas e manifestações públicas de discordância em relação ao seu conteúdo noticioso, sendo um dos casos mais mediáticos o do afastamento de 24 jornalistas na sequência da divulgação de um documento, no qual estes questionam a orientação do DN3.

7É, de facto, a orientação político-ideológica evidenciada nos artigos do jornal que mais críticas faz surgir na opinião pública. O estudo realizado por João Figueira sobre o conteúdo noticioso do DN no Verão de 1975 revela de forma clara o rumo seguido pela direcção do jornal: “o PCP, o MFA e o general Vasco Gonçalves foram, respectivamente, o partido, a instituição e a figura que mais vezes foram referidos nos títulos do jornal” e essas referências foram feitas “sempre de forma elogiosa e com maior destaque e acesso ao espaço do jornal que os opositores ao conteúdo proposicional apresentado pelo jornal.” Por outro lado, o investigador conclui que apesar de o PS e o seu líder, Mário Soares, surgirem, “igualmente, muito bem colocados quanto ao número de referências noticiosas e títulos com base nos seus nomes”, “em 90 por cento dos casos, os títulos relativos ao secretário-geral socialista dizem respeito a notícias que lhe são desfavoráveis”, sendo, por isso, fácil perceber que Mário Soares era o “principal adversário político do jornal” (Figueira, 2007: 97).

  • 4 Frase proferida por José Saramago na tomada de posse como director-adjunto do Diário de Notícias, a (...)

8É, portanto, assumindo um papel de apoio à política do primeiro-ministro Vasco Gonçalves e de defesa da ideia de um jornal como “instrumento nas mãos do povo português, para a construção do socialismo”4 que o DN irá atravessar todo o «Verão Quente» de 1975 e chegar ao 25 de Novembro, reflectindo e acompanhando as mutações do processo revolucionário.

O 25 de Novembro e a crise na imprensa estatizada

9Ao longo do conturbado mês de Novembro de 1975 foram surgindo vários indícios de que o desfecho da revolução se aproximava: a crise que se vivia no interior do Movimento das Forças Armadas (MFA), a forte agitação social, a cada vez mais difícil conciliação entre PS e PCP, o “fantasma” do regresso de António de Spínola, etc. Os boatos de que estaria a ser planeado um golpe de Estado multiplicavam-se, assim como as iniciativas e mobilizações político-partidárias. O mês de Novembro acabou por resumir-se, como defende Maria Inácia Rezola, “a 25 dias de provocações permanentes e de preparação para o golpe de Estado há muito anunciado” (2006: 448).

10Paralelamente, nos meios de comunicação social agudizaram-se alguns dos problemas que vinham surgindo há algum tempo. Assim, questões como os saneamentos n’O Século e na ANOP ou o inquérito aberto ao Secretário de Estado da Informação, Ten. Coronel Ferreira da Cunha, por suspeita de ligação a um organismo relacionado com a PIDE, são alguns exemplos de temas amplamente explorados na imprensa e que, em última análise, contribuíram para adensar o clima de agitação que o país viveu.

  • 5 Diário Popular, 22/10/1975, pp. 12-13.

11A par da agitação política e laboral, duas questões parecem ser centrais nas reflexões sobre o sector: a crise financeira que abalava a imprensa e o “fantasma” do controlo dos média por partidos políticos. O próprio ministro da Comunicação Social, em várias ocasiões, demonstrou particular preocupação sempre que se referia a estes temas. Almeida Santos afirmara nomeadamente que “a ideia de um jornal oficioso, de uma espécie de «Pravda» lusitano” não se integrava nas suas “predilecções” e, por isso, preferia bater-se por uma informação “pluralista, objectiva, politicamente não empenhada, verdadeira”. Indo mais longe, e denunciando o predomínio de um partido (sem o especificar) em jornais dependentes do Estado e estações radiofónicas não oficiais, o ministro chegou mesmo a deixar um aviso: “chega de monolitismo”5.

  • 6 A Luta, 25/11/1975, p.4.

12A intenção de Almeida Santos de reestruturar o sector da Comunicação Social – ainda que fortemente criticada pelos trabalhadores dos média em geral - acabaria por ser ultrapassada pelo clima de efervescência política que o mês de Novembro trouxe consigo, sendo o próprio ministro quem confirma que se preparava para definir “as grandes linhas de reestruturação do sector” quando a crise deflagrou6.

13Efectivamente, no dia 25 de Novembro de 1975, na sequência da declaração de estado de sítio na área da Região Militar de Lisboa e da suspensão parcial das liberdades democráticas - com a justificação de que era necessário reflectir sobre as decisões a tomar nos vários sectores da sociedade - os jornais da região de Lisboa deixaram de se publicar. Naturalmente, o Diário de Notícias não foi excepção. Apesar da declaração de estado de sítio apenas ser levantada a 3 de Dezembro, a imprensa não estatizada é autorizada, logo a 29 de Novembro, a reiniciar a sua publicação.

14No dia 27 de Novembro, o Conselho da Revolução (CR), face a forte agitação que se fazia notar no sector, faz um breve balanço da actividade da imprensa estatizada, onde se inclui o DN:

“ - O défice global mensal é da ordem dos 50 mil contos;

- Alguns destes jornais têm produzido informação tendenciosa, distorcida e monolítica;

  • 7 O Primeiro de Janeiro, 29/11/1975, p.1.

- Clara reprovação popular e corresponsabilidade no clima de indisciplina e desordem pública; (…)”7.

15Neste sentido, o CR - além de recomendar ao Governo a aplicação de medidas urgentes para a reestruturação do sector - toma uma série de decisões, das quais destacamos as seguintes:

“a) a demissão imediata de todos os membros em exercício da administração das referidas empresas;

b) a dissolução de todos os órgãos ou corpos sociais das mesmas empresas, com destituição dos respectivos membros em exercício;

c) a suspensão da publicação dos jornais e revistas editadas pelas referidas empresas, até à nomeação pelo Governo, no prazo de dez dias, de novos administradores;

  • 8 Diário do Governo, I Série, nº 275. Estas medidas aplicam-se às publicações das empresas proprietár (...)

d) A assumpção, pelos novos administradores, da plenitude dos poderes legais e estatuários dos referidos órgãos de corpos sociais dissolvidos, até que ocorra a sua nomeação nos termos da lei que então vigorar; (…)”8.

  • 9 O Primeiro de Janeiro, 3/12/1975, p. 12.

16Sendo praticamente consensual a tese de que a imprensa teve grandes responsabilidades na criação do estado emocional que proporcionou o golpe de 25 de Novembro, e uma vez superada a crise que este originou, o sector da Informação é alvo de múltiplas reflexões. A este respeito posições como as do Presidente da República e do Primeiro-ministro são particularmente esclarecedoras. Para Costa Gomes houve uma “criminosa e maldosa manipulação de sectores da informação pública, orquestrados para criar um clima tenso e angustiante, que precede os temorais políticos”. No mesmo sentido, Pinheiro de Azevedo questiona “se os órgãos de Informação se encontram ou não conscientes de que não podem vir a cometer os mesmos excessos e erros” que considera “como verdadeiros actos preparatórios ou contribuintes da rebelião armada”9.

17É também nesta altura que o líder do PCP concede uma importante entrevista ao semanário O Jornal, na qual analisa o actual panorama político nacional. Referindo-se, em concreto, aos meios de comunicação social, Álvaro Cunhal recusa terminantemente a tese de domínio do seu partido sobre os mesmos:

  • 10 O Jornal, 5/12/1975, p. 2.

“Para conhecer as apreciações e as posições do PCP é naturalmente melhor ler o «Avante» do que órgãos de comunicação social nos quais, ao contrário do que acusa a campanha anticomunista, o PCP não assegurava a direcção e a orientação. Várias vezes afirmámos que, se caso o PCP dirigisse órgãos de comunicação social, a informação de alguns deles seria mais serena e mais objectiva”10.

18Noutra passagem da entrevista, pode ler-se a seguinte frase do líder histórico do PCP:

  • 11 O Jornal, 5/12/1975, p. 2.

“Nos últimos tempos, alguns órgãos de comunicação social tinham sido arrastados para uma propaganda sectária e esquerdista para a qual numerosas vezes chamámos a atenção incluindo de camaradas nossos que trabalhavam em alguns deles”11.

19Álvaro Cunhal opta por não especificar a que órgãos se refere, deixando assim no ar a dúvida se se estaria a referir, por exemplo, ao Diário de Notícias.

20Tornara-se urgente uma reestruturação no sector da Informação, nomeadamente nas empresas estatizadas, e, para tal, era necessário escolher rapidamente os nomes que passariam a liderá-las.

  • 12 Jornal Novo, 29/11/1975, p. 10.
  • 13 O Primeiro de Janeiro, 8/12/1975, p. 5.

21Os dias que se seguiram são, assim, marcados pelas nomeações de novas administrações, direcções e chefias de redacção dos jornais estatizados, bem como da agência ANOP e, consequentemente, os jornais foram voltando às bancas, ainda que com atrasos relativamente ao objectivo, traçado pelo ministro Almeida Santos, de as publicações serem retomadas no prazo de cinco dias12. Note-se que, de modo a estabelecer uma actividade eficaz dos média, o Governo pretendia que as novas administrações salvaguardassem “dentro do que for legal e justo, o direito dos trabalhadores ao trabalho e ao salário, incluindo o dos que tiverem sido injustamente saneados, sem prejuízo das medidas disciplinares que se mostrem coniventes”13.

  • 14 Neste sentido, considerou-se o Diário de Notícias e A Capital afectos ao PS, O Século afecto ao PPD (...)
  • 15 O Primeiro de Janeiro, 3/12/1975, p. 12.

22No que diz respeito à Empresa Nacional de Publicidade, proprietária do Diário de Notícias, a sua nova administração foi designada a 5 de Dezembro pelo Conselho de Ministros, após a deliberação do Conselho da Revolução, e passou a ser composta pelo Coronel Mário de Carvalho Andrea, Francisco Lyon de Castro e Fernando Oneto. Segundo um relatório do Conselho de Imprensa, nesta altura chegou-se a pensar na “partilha” da imprensa de acordo com os partidos mais representativos, não tendo, porém, esta ideia sido levada avante14. Faltava, pois, nomear os futuros directores do DN para o jornal voltar a aparecer no mercado, o que – apesar dos rumores sobre a eventual nomeação de Vítor da Cunha Rego para o cargo principal15 - só vem a acontecer já na segunda quinzena do mês.

O afastamento de 14 trabalhadores do Diário de Notícias

23No início de Dezembro, alguns órgãos de Comunicação Social, como O Século, o RCP e o próprio Diário de Notícias, continuavam suspensos.

  • 16 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.

24Apesar disso, os jornalistas do DN continuavam a ir todos os dias à redacção, recolhendo informações e escrevendo textos para o caso de ser levantada a suspensão. Segundo Mário Mesquita, nesta altura chegou a circular o boato – nunca confirmado - de que um grupo de redactores preparava uma edição – não chegando a ser divulgada - do jornal, “que era a edição a celebrar o contrário do que aconteceu, a vitória das forças radicais no 25 de Novembro” 16. Porém, de acordo com o então chefe de redacção do DN, nunca foi esse o objectivo dos jornalistas:

  • 17 Entrevista com Daniel Ricardo, Lisboa, 2011.

“ [O DN] estava suspenso, não podia sair, mas se viesse a ordem de levantamento de suspensão nós púnhamos o jornal na rua nesse mesmo dia. (…) “Eu continuei a mandar repórteres para todo o lado para fazerem a cobertura das coisas que se estavam a passar. Portanto, estávamos prontos para sair, mas seria uma edição normal em que se fazia o ponto de situação daqueles dias todos em que o jornal tinha estado suspenso e depois contavam-se as novidades que entretanto apurássemos”17.

  • 18 Ordem de serviço Nº ADM. 1/75, ENP.
  • 19 Da lista fizeram ainda parte os jornalistas Daniel Ricardo, Figueiredo Filipe, José David Lopes, Jo (...)
  • 20 Entrevista com Luís de Barros, Lisboa, 2011.
  • 21 Entrevista com Daniel Ricardo, Lisboa, 2011.

25A 16 de Dezembro é veiculada a notícia de que 14 trabalhadores do DN teriam sido suspensos e proibidos de entrar nas instalações do jornal sem autorização prévia da nova Administração da ENP, sendo as suspensões justificadas com a necessidade de criar condições de trabalho à nova direcção e “para que esta possa fazer publicar um jornal independente e pluralista”18. Assim, entre os trabalhadores sobre os quais viriam a ser levantados autos de averiguações em relação ao seu desempenho profissional encontravam-se os directores, Luís de Barros e José Saramago, e o repórter Mário Ventura Henriques19. Apesar desta medida vir a suscitar fortes críticas, Luís de Barros lembra que na altura não recebeu a notícia da sua suspensão com grande surpresa, já que a situação estava “insustentável” e, por isso, já se aguardava tal desfecho20. No mesmo sentido, Daniel Ricardo recorda-se de conversas que houve entre jornalistas das várias publicações que continuavam paralisadas, considerando ter sido “um período de grande tensão para as pessoas de esquerda”, que “esperavam o pior”21. Sendo que por “pior” entenda-se uma vaga de despedimentos no sector da comunicação social.

  • 22 O Primeiro de Janeiro, 14/12/1975, p. 9.
  • 23 A Luta, 17/12/1975, p. 13.

26No caso concreto do DN, ao tomar a decisão de suspender os trabalhadores, a administração rejeitava as conclusões de um plenário, realizado dias antes na empresa, que confirmava nos seus cargos a anterior direcção, conselho de redacção e chefias22. O administrador Fernando Oneto justificaria, da seguinte forma, a medida tomada: “A administração é quem governa a empresa. Nem pode chutar para cima, nem pode ceder às exigências impróprias dos trabalhadores. Fizemos o que julgámos indispensável para salvar a existência da empresa”23.

  • 24 Chegou a ser veiculada a notícia de que estariam em causa os salários dos trabalhadores nos meses s (...)
  • 25 Ordem de serviço Nº ADM. 1/75, ENP.
  • 26 Ordem de serviço Nº ADM. 1/75, ENP.

27A divulgação do nome dos jornalistas suspensos é acompanhada de uma análise “necessariamente precária”, particularmente em termos financeiros, da situação com que a ENP se batia no momento24. Entre os vários aspectos referidos pela Administração, que se debruça sobre os pontos “mais críticos” da conjuntura actual empresa, encontra-se a conclusão de que este momento “difícil” que a ENP atravessa é “obviamente resultante do teor e forma da Informação tendenciosa praticada no seu jornal Diário de Notícias, e de que são primeiros responsáveis a Direcção e a Redacção do mesmo”25. Por isso, entre as primeiras medidas a tomar estão a proibição de reuniões de trabalhadores dentro das horas de serviço e a eleição de um novo Conselho Geral de trabalhadores, com “escrupuloso respeito pelo princípio do sufrágio universal e secreto”26.

  • 27 Daniel Ricardo e João Paulo Velez terão apresentado a sua demissão em 15/12/1975 e os restantes em (...)

28Entretanto, alguns dos jornalistas do DN agora suspensos – José Jorge Letria, Leonor Martinho Simões, Rogério Carapinha, Daniel Ricardo, João Paulo Velez e David Lopes Ramos (e mais três não suspensos: Goulard Machado, Miguel Serrano e Jorge Fidelino Figueiredo) - começam a apresentar as suas demissões, aceites pela administração do jornal27. Analisando esta atitude, José Jorge Letria diz que cometeu um “erro” ao ter-se demitido:

  • 28 Entrevista com José Jorge Letria, Lisboa, 2011.

“Eu e o Miguel Serrano assinámos uma carta juntos. Foi um erro completo. E é um erro para o qual fomos induzidos e do qual eu me arrependerei sempre (…). Nós fomos abordados pelo Miguel Urbano Rodrigues que nos disse que o Partido recomendava que aqueles que estavam com processos disciplinares, com vista ao despedimento, a decorrer se deviam demitir, porque o Partido não achava aconselhável que houvesse situações destas pendentes. Nós achámos estranho por uma razão muito simples, é que se o processo corresse os seus trâmites normais e nós fossemos reintegrados ganhávamos razão em toda a linha, que foi o que os outros fizeram”28.

29Note-se que muitos destes jornalistas que se demitiram acabariam por se juntar, logo em Janeiro, à equipa fundadora de um novo jornal de tendência Comunista: O Diário.

Os novos directores do DN e a difícil reorganização do jornal

  • 29 Vítor Cunha Rego esteve exilado durante cerca de 16 anos, tendo trabalhado em diversos meios de com (...)
  • 30 Diário Popular, 17/12/1975, p 11.
  • 31 Expresso, 17/12/1975, p.1.

30Com as medidas até agora tomadas no DN, a nova direcção - constituída por Vítor Cunha Rego e Mário Mesquita, conhecidos militantes do Partido Socialista29 - vê, assim, criadas condições para que “possa fazer publicar um jornal independente e pluralista”30. No entanto, outros problemas começam a levantar-se. Um deles tem a ver com a recente admissão de cerca de vinte estagiários, que tinham sido admitidos pela anterior direcção, “recrutados em organizações ou publicações do PCP, nomeadamente boletim da UEC”, sendo aconselhado à direcção a análise individual dos currículos dos estagiários31.

  • 32 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.
  • 33 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.

31Depois do afastamento de 24 jornalistas em Agosto e agora de mais 14 trabalhadores, o DN viu a sua redacção bastante reduzida. Tornava-se, portanto, urgente criar uma nova equipa, constituindo isso mais um problema para a recente direcção, visto que os “defensores de um jornal com características pluralistas, características próprias das democracias políticas, não queriam ir [para o jornal] porque achavam que o DN estava um pouco inquinado pela marca de ser o jornal do governo”32. O novo director-adjunto, Mário Mesquita, confrontara-se, assim, com “um puzzle extremamente complexo”, pois os redactores que se mantiveram no DN foram os que “conseguiram ir resistindo às várias vagas de saneamento, pelas melhores ou piores razões”. Por isso, e porque “estavam treinados num tipo de jornalismo que era um jornalismo militante, revolucionário”, o jornal regressa “muito pobre”33.

32Nos dias seguintes, surgem na imprensa várias reacções dos elementos recentemente suspensos. José Saramago é um dos primeiros a mostrar-se surpreendido com a sua suspensão (isto porque, de acordo com o decreto-lei emanado do Conselho da Revolução, já se encontrava demitido). O agora ex-director-adjunto do Diário de Notícias, no comunicado entretanto enviado aos jornais, aborda o assunto com o seu estilo de escrita tão particular:

  • 34 Diário de Lisboa, 19/12/1975, p. 5.

“É geralmente sabido que o Conselho da Revolução me dissolveu. Não existo, portanto, como director-adjunto do Diário de Notícias, o que bem se compreende perante a já existência de outro director-adjunto: é lei elementar da física que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar… (…) Uma sequência lógica imporia, como ordem: a) suspensão; b) demissão, mas nenhuma outra. Que resta a essa administração? Confesso que não sei muito bem, nem o caso me toca. Talvez demitir-me, o que aliás terá de fazer com data anterior à da nomeação do actual director-adjunto, pela supracitada razão física… Mas será possível demitir alguém que antes fora dissolvido?”34.

  • 35 Diário de Lisboa, 19/12/1975, p. 5.

33Saliente-se, porém, o humor da justificação dada por José Saramago para o facto de divulgar um comunicado explicando porque não poderia ser suspenso: “Normalmente não seria preciso explicar porquê, mas a total obliteração de que essa administração dá provas impõem-me o misericordioso dever desta ajuda”. Numa indirecta alusão à fase de inquirição que se avizinha, e apesar de não considerar a nova administração “qualificada para julgar essa responsabilidade”, não recusa “nenhuma responsabilidade das acções jornalísticas realizadas” enquanto foi director adjunto do DN35.

  • 36 Diário Popular, 18/12/1975, p 13.

34Contra as medidas tomadas pelo Conselho da Revolução após o 25 de Novembro manifestou-se igualmente o Movimento Unitário dos Trabalhadores Intelectuais (MUTI), exigindo, entre outras resoluções, a reintegração dos trabalhadores suspensos da informação. Concretamente sobre as 14 suspensões do DN, foi aprovada uma moção que considera esta decisão “mais um grave atentado à liberdade de expressão e o exercício da actividade profissional”, atingindo um jornal “que o povo português justamente se habituou a considerar como uma voz democrática ao serviço dos seus interesses e da revolução.” Esta medida contrasta, segundo o Movimento, “com a total ausência de medidas contra os meios de comunicação reaccionários e mesmo pró-fascistas”36. Nota-se, portanto, uma inversão de papéis, isto é, se anteriormente os termos utilizados em relação à direcção e orientação político-ideológica do DN eram em muito semelhantes aos que são utilizados agora, os protagonistas mudaram. São agora defendidos aqueles que tinham sido alvo de críticas nos últimos meses.

  • 37 Diário Popular, 19/12/1975, p 12.
  • 38 Entrevista com José David Lopes, Lisboa, 2011.
  • 39 Entrevista com Daniel Ricardo, Lisboa, 2011.

35A nossa ideia de que existiu uma inversão de papéis neste processo é reforçada quando, no dia 18 deste agitado mês de Dezembro, os 14 suspensos do DN divulgam um comunicado tecendo duras críticas a alguns dos responsáveis do processo que os envolve. Acusando a nova administração da ENP de ter feito um saneamento “selectivo”, este grupo diz que o objectivo era “afastar alguns jornalistas progressistas”, por um lado “por serem incómodos à acção ditatorial das cúpulas do DN”, por outro “para servir de exemplo”. Em seu entender, trata-se de uma “manobra política” inserida num “assalto do PS ao jornal estatizado de maior expansão” nacional. Como fundamento desta acusação os suspensos salientam as posições políticas de dois dos três membros da nova administração e dos directores, militantes do PS. Estes últimos teriam sido, de acordo com o comunicado, nomeados para os cargos por “imposição ditatorial”37. Reforçando a ideia de um envolvimento político-partidário no caso, José David Lopes lembra que na altura os suspensos ficaram com a ideia de que se encontravam perante “uma lista política, feita no PS”38. Posição não consensual, visto que o seu colega Daniel Ricardo diz ter sido Silva Costa – jornalista que ocupara o cargo de chefe de redacção até ao Verão - o principal acusado de ter feito a lista de jornalistas a serem suspensos39.

  • 40 Diário Popular, 19/12/1975, p 12.

36Contrariando a acusação que lhe é feita de ser responsável pela situação em que o DN se encontra no momento, o grupo suspenso defende-se questionando particularmente a atribuição de culpa a dois dos seus catorze elementos. Um, Rogério Carapinha, por ter entrado em “funções no DN em 1 de Dezembro último, numa altura em que o jornal estava suspenso”; o outro, Ernesto Sampaio, porque estava “integrado no quadro da secretaria de redacção, como tal, sem qualquer participação directa no conteúdo e orientação do jornal”. Tendo em conta as posições agora tomadas, o grupo exige que os inquéritos levantados sobre a sua actuação “vão até ao fim” e admite vir a tratar do caso através de vias judiciais40.

37O Diário de Notícias voltaria às bancas a 22 de Dezembro, quase um mês depois da sua última publicação. O texto da nova direcção, publicado na primeira página com o título “Um jornal do Estado e do Povo”, traçava as principais linhas orientadoras para o futuro do matutino, tentando descolá-lo da imagem muito criticada nos últimos meses de que não respeitava posições ideológicas diferentes das da sua direcção:

  • 41 Diário de Notícias, 22/12/1975, p.1.

“Este jornal pertence ao Estado Português. Não pode ser feudo de nenhum grupo social, nem de qualquer organização política. Na sua prática diária, há-de reger-se pelos grandes princípios já definidos, na Assembleia Constituinte, para a Imprensa Estatizada: pluralismo de opiniões e independência perante o Governo e a Administração Pública. (…) Pluralismo que entendemos, não como somatório de elucubrações ideológicas ou amontoado de propagandas sectoriais, mas como possibilidade de expressão e confronto das correntes políticas representativas. (…)”41.

  • 42 Diário de Notícias, 22/12/1975, p.1.

38Prevendo futuros cenários e críticas, o texto que marca o regresso do DN refere também que este matutino não será colocado “ao serviço de seitas, grupos de pressão ou partidos”, pelo que a sua direcção não tolerará “coações venham de onde vierem”42.

39Tornava-se, assim, clara a postura da nova direcção do DN, sendo que o texto por ela assinado podia ser entendido não apenas como dirigido aos seus leitores, mas também, dados os recentes acontecimentos, aos próprios trabalhadores do jornal.

O “fantasma” da censura permanece no DN

40O ano de 1976 trazia consigo algumas expectativas para o sector da Informação, como demonstram as palavras dedicadas pelo Presidente Costa Gomes ao tema, na sua mensagem de ano novo:

  • 43 O Primeiro de Janeiro, 3/1/1976, p. 5.

“Agora, mais conscientes dos riscos sociais desses excessos [dos órgãos de Comunicação Social], parecem criadas as condições necessárias para que passemos a dispor de uma informação simultaneamente livre, responsável e verdadeira, aberta a todas as correntes do pensamento, mas escrupulosamente fiel às exigências da verdade objectiva”43.

  • 44 Mário Mesquita descreve, da seguinte forma, o ambiente que se vivia no interior do jornal: “A sensa (...)
  • 45 Diário de Lisboa, 14/1/1976, p. 7.
  • 46 Diário de Lisboa, 14/1/1976, p. 7.
  • 47 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.

41No entanto, no interior do Diário de Notícias continuava a viver-se um ambiente algo conturbado, com a administração a ameaçar fechar o jornal por tempo indeterminado44. O motivo prendia-se com a “possível insistência por parte de alguns trabalhadores de se oporem à política de informação objectiva, independente e pluralista traçada à Imprensa Estatizada pelo Conselho da Revolução e ratificada pelo VI Governo Provisório”45. Confrontado com esta informação, o administrador Fernando Oneto esclareceu que a ideia de suspender o jornal foi meramente preventiva e que não existiram “propriamente problemas internos” no DN, mas “apenas uma tensão levantada por um grupo minoritário” que não concordava com a “orientação do jornal”46. Opinião, aliás, partilhada por Mário Mesquita, que atribui uma conotação “táctica” à ameaça: “É no sentido de dizer «se vocês não colaboram, o que pode acontecer é o jornal acabar»”47.

  • 48 O Primeiro de Janeiro, 13/1/1976, p. 5.
  • 49 Jornal Novo, 28/2/1976, p. 11

42É também neste momento que a administração da ENP solicita ao ministro Almeida Santos que nomeie uma Comissão de Inquérito – constituída por um juiz de direito e um oficial das Forças Armadas – para investigar todos os casos de despedimento ocorridos na empresa após a revolução de Abril48. Entretanto, face ao turbilhão de movimentações existentes no DN, a administração do jornal terá chegado a pedir a demissão junto do ministério da tutela, não tendo esta sido aceite por Almeida Santos.49

  • 50 O Primeiro de Janeiro, 18/4/1976, p. 5.

43Poucos meses depois, e já com a investigação em curso, reacende-se a polémica sobre a existência de uma crise no Diário de Notícias. Num plenário de redacção, realizado dia 12 de Abril, os jornalistas voltam a falar de práticas de censura no jornal e aprovam uma moção na qual se repudia “toda e qualquer forma de censura, exigindo o cumprimento integral das disposições legais aprovadas na Constituição e na Lei de Imprensa e referentes à liberdade de expressão”50. Face à divulgação desta posição na imprensa, os directores do DN apressam-se a emitir um comunicado, desmentindo “qualquer forma ou tipo de censura”:

  • 51 O Primeiro de Janeiro, 15/4/1976, p. 5.

“Sobre esta moção, a Direcção deste jornal afirma que não reduz ao silêncio correntes políticas, sejam elas de direita ou de esquerda. Não propaga inventonas, nem difunde calúnias contra personalidades civis ou militares. Não incita o Povo à rebelião em «manchetes» a oito colunas. Não retoma, em suma, as práticas usadas neste jornal antes do 25 de Novembro. Pelos vistos, isto chama-se «censura, na linguagem desses senhores”51.

  • 52 Jornal Novo, 15/4/1976, p. 6.
  • 53 O Primeiro de Janeiro, 18/4/1975, p. 5.

44O texto da direcção do jornal – que lembra os métodos utilizados no «Caso República» para falar sobre o que se passa no DN52 - daria origem a um “enérgico repúdio”, por parte dos delegados sindicais, pelo seu conteúdo em geral, “onde proliferam insinuações” que consideram “torpes”53. Com estas posições agora assumidas publicamente tornava-se claro que o ambiente no interior do jornal ainda estava longe de estabilizar e que os seus directores continuavam a não ter o apoio de toda a redacção.

  • 54 Ordem de Serviço Nº 2/76, 20/5/1976, ENP.

45O mês de Maio traz consigo novidades para os vários trabalhadores afastados do Diário de Notícias desde o 25 de Abril. Aos suspensos após o 25 de Novembro foi dada como terminada a situação de suspensão, com a finalidade de lhes serem agora instaurados processos disciplinares, apesar de – como refere a nota da administração da ENP - não se conhecer, “para a generalidade dos suspensos”, “factos que possibilitem sanção penal”54. Serão, assim, sujeitos a inquérito apenas os seis jornalistas que não apresentaram demissão: Mário Ventura Henriques, Alfredo Figueiredo Filipe, José David Lopes, Mário Rosendo, José Luís Jacinto Fernandes e Ernesto Sampaio.

  • 55 Ordem de Serviço Nº 2/76, 20/5/1976, ENP.

46No que diz respeito aos 24 jornalistas afastados em Agosto e mais alguns jornalistas saneados antes do 25 de Novembro, a administração da ENP considerou que os seus saneamentos ocorreram “por processos não ortodoxos, sem a tramitação e invocação de lei vigente”. Por isso, resolvera considerar “sem nenhum efeito” o seu afastamento e conceder-lhes autorização para voltarem ou, no caso de preferirem, serem indemnizados. Ficou ainda acordado que seriam instaurados “processos disciplinares aos elementos que tenham feito parte de comissões de inquérito ou de saneamento ou elaborado de má fé propostas cuja aprovação tenha causado lesão nos direitos de outros trabalhadores e prejuízos à empresa”55. O processo de reintegração dos jornalistas no DN esteve longe de ser pacífico, com alguns trabalhadores a oporem-se terminantemente a esta decisão. Apesar disso, alguns foram voltando e integraram-se na redacção.

  • 56 Diário de Lisboa, 26/5/1976, pp. 5-8.

47Paralelamente, o Ministério da Comunicação prepara vários projectos de reestruturação, gerando a oposição um pouco por todo sector, sendo, inclusivamente, criada uma «Comissão Coordenadora da Luta contra o Projecto Almeida Santos», uma proposta ministerial que estabeleceu a fusão de quatro jornais estatizados (o Diário de Notícias fundiu-se com A Capital e o Diário Popular com O Século)56.

  • 57 Diário de Lisboa, 9/6/1976, p. 8.
  • 58 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.

48É novamente num contexto agitado internamente que é anunciada mais uma alteração no jornal: a demissão do director do DN. Porém, Victor Cunha Rego, explicando a sua decisão aos trabalhadores, refere que colocou o seu cargo à disposição da administração da ENP logo após o período eleitoral e a formação do novo governo (em Abril), não tendo, por isso, a sua decisão a ver “com quaisquer acontecimentos recentes na empresa”57. Sobre esta decisão, o seu adjunto, Mário Mesquita, diz que Cunha Rego “estava ali por pouco tempo. Estava ali para impor uma certa disciplina no jornal e depois queria partir para outras tarefas”58.

49Será o próprio Mário Mesquita a assumir interinamente o cargo de director do jornal até ser nomeado director o jornalista João Gomes (em Agosto), também este membro do Partido Socialista. Aguardava-se, portanto, com alguma expectativa a atitude do novo director face aos trabalhadores e linha editorial do DN, numa altura em que pelo menos alguns dos grandes confrontos internos do jornal pareciam ter ficado para trás, tal como o clima instável do processo revolucionário.

Considerações finais

50Como referimos ao longo deste artigo, os acontecimentos de 25 de Novembro vieram marcar uma nova fase no processo de transição para a democracia em Portugal e isso reflectiu-se também, e de forma bastante clara, nos média. Desde logo, aumentando a influência do PS na imprensa, após uma reorganização do sector, nomeadamente a nível de direcções e administrações. Como sustenta Francisco Rui Cádima, o debate em torno do controlo político dos meios de Comunicação Social intensificou-se e, como consequência, a posição dos partidos, especificamente a do PCP, foi questionada. Assim, neste período “o papel dos média esteve mais do que nunca presente nos artigos, análises, pontos de vista, que surgiram nos jornais sobre os acontecimentos do dia” 25 de Novembro (2001: 347). O caso do Diário de Notícias é particularmente exemplificativo a este respeito. Com o afastamento dos administradores e directores, próximos do PCP, e a escolha de nomes ligados ao PS para ocuparem esses cargos, assiste-se a uma mudança de atitude face à linha editorial do jornal. Pouco depois, com a suspensão de mais 12 jornalistas, multiplicam-se os comunicados dos trabalhadores suspensos, nos quais se destaca a ideia de que por trás desta decisão estaria a tomada do poder no jornal por parte do PS.

  • 59 Diário de Lisboa, 9/1/1976, p. 6.

51As suspensões ocorridas após o 25 de Novembro (segundo o Diário de Lisboa cerca 156 de entre vários órgãos59) acabariam por constituir uma das consequências mais evidentes e também mais contestadas no sector dos média neste momento da revolução. Embora estejam ainda por explicar muitas destas suspensões e, sobretudo, os seus contornos político-ideológicos, declarações proferidas na época pelo ministro Almeida Santos evidenciam não só a atitude “contra-revolucionária” dos suspensos, como também a utilização dos órgãos para os quais trabalhavam como uma “arma política”:

  • 60 Diário de Notícias, 10/2/1976, p. 2.

“Muitos deles, se bem ajuízo, queixam-se sem convicção. Vinham encarando a informação, não como uma profissão mas como uma arma. Uma arma política. O partido político que têm procurado tirar da sua suspensão sobreleva, em rendimento, o que poderiam ter tirado no respeito pela nova linha ideológica dos órgãos a que pertencem. Isto mais o ordenado no fim do mês. Se se não apurarem culpas, terão gozado umas férias. Se vierem a apurar-se terão e terão só – assim o espero – o castigo ajustado ao grau de culpa e responsabilidade assumida por terem aderido a um projecto conta-revolucionário quando tinham à mão os canais democráticos”60.

52No caso concreto do DN, oito meses após a suspensão dos trabalhadores, faltava ainda esclarecer os contornos da sua actuação no jornal durante o Verão de 1975 e principalmente faltava clarificar o seu futuro, por mais que alguns dos seus colegas que permaneceram no jornal apelassem à sua reintegração.

53Nos tempos que se seguiram à tentativa de golpe militar, a par da difícil situação financeira em que se encontrava o DN – tal como sucedia na imprensa estatizada em geral – o “fantasma” do controlo dos média constituiu um dos principais obstáculos à normalização interna do jornal. Foram vários os sinais dados nos primeiros meses de 1976 de conflitos entre trabalhadores do DN e, sobretudo, de discordância com a nova direcção. O poder da Comissão de Trabalhadores, desde há muito evidente no DN, tornava-se claro quando o objectivo era criar resistência à orientação que os directores pretendiam fomentar no conteúdo noticioso do jornal. Porém, o Verão de 1976 traz consigo novidades para o DN, com a nomeação de um novo director, fazendo, naturalmente, prever novas mudanças num jornal onde ainda se notavam algumas marcas do conturbado período revolucionário.

54Importa ainda destacar que, embora permaneçam inúmeras dúvidas sobre muitos dos episódios que envolveram os média na transição para a democracia em Portugal, algo parece evidente: os órgãos de Comunicação Social foram não só o palco das intensas lutas políticas do processo revolucionário, mas estiveram, também, no centro de muitas dessas lutas, tendo, assim, um relevante papel num momento de definição do tipo de regime a instaurar no país. Neste contexto, o Diário de Notícias, com as múltiplas transformações que nele ocorreram no decurso da revolução, constitui, sem dúvida, um objecto de estudo de grande relevo para a história deste período.

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Bibliografia

CÁDIMA, Francisco Rui (2001) Os «Media» na Revolução (1974-1976), In: O País em Revolução, Coord. J. M. Brandão de Brito. Lisboa: Editorial Notícias, pp. 321-358.

FIGUEIRA, João (2007), Os Jornais como Actores Políticos – O Diário de Notícias, Expresso e Jornal Novo no Verão Quente de 1975, Coimbra: Minerva Coimbra.

LEMOS, Mário (2006) Jornais Diários Portugueses do Século XX. Um Dicionário, Coimbra: Ariadne Editora.

REIS, António (1993) “A Revolução de 25 de Abril de 1974, o MFA e o Processo de Democratização”, In: Portugal Contemporâneo, dir. António Reis, vol.6, Lisboa: Publicações Alfa, pp. 13-62.

REZOLA, Maria Inácia (2006) Os Militares na Revolução de Abril. O Conselho da Revolução e a Transição para a Democracia em Portugal (1974-1976). Lisboa: Campo da Comunicação.

SEABRA, Zita (2007) Foi Assim. Lisboa: Aletheia Editores.

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Notas

2 O director do jornal era José Ribeiro dos Santos e o director-adjunto José Carlos de Vasconcelos.

3 Cf. Pedro Marques Gomes (2011) Imprensa e Revolução: Os Saneamentos Políticos no Diário de Notícias no «Verão Quente» de 1975. Lisboa: Escola Superior de Comunicação Social do IPL. Dissertação de mestrado em Jornalismo.

4 Frase proferida por José Saramago na tomada de posse como director-adjunto do Diário de Notícias, a 9/4/1975.Cf. Diário de Notícias, 10/4/1975, p. 2.

5 Diário Popular, 22/10/1975, pp. 12-13.

6 A Luta, 25/11/1975, p.4.

7 O Primeiro de Janeiro, 29/11/1975, p.1.

8 Diário do Governo, I Série, nº 275. Estas medidas aplicam-se às publicações das empresas proprietárias de O Século, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, O Comércio do Porto, A Capital, Diário de Lisboa, Diário Popular e Jornal do Comércio.

9 O Primeiro de Janeiro, 3/12/1975, p. 12.

10 O Jornal, 5/12/1975, p. 2.

11 O Jornal, 5/12/1975, p. 2.

12 Jornal Novo, 29/11/1975, p. 10.

13 O Primeiro de Janeiro, 8/12/1975, p. 5.

14 Neste sentido, considerou-se o Diário de Notícias e A Capital afectos ao PS, O Século afecto ao PPD e o Diário de Lisboa ao PCP. Cf. Relatório do Conselho de Imprensa (1979), A Imprensa escrita em Portugal (Abril de 1974 a Julho de 1975), Lisboa: Edição do Conselho de Imprensa, p. 74.

15 O Primeiro de Janeiro, 3/12/1975, p. 12.

16 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.

17 Entrevista com Daniel Ricardo, Lisboa, 2011.

18 Ordem de serviço Nº ADM. 1/75, ENP.

19 Da lista fizeram ainda parte os jornalistas Daniel Ricardo, Figueiredo Filipe, José David Lopes, José Jorge Letria, Mário Rosendo, Rogério Carapinha, Leonor Martinho Simões, João Paulo Velês, José Luiz Jacinto Fernandes, David Lopes Ramos e Ernesto Sampaio.

20 Entrevista com Luís de Barros, Lisboa, 2011.

21 Entrevista com Daniel Ricardo, Lisboa, 2011.

22 O Primeiro de Janeiro, 14/12/1975, p. 9.

23 A Luta, 17/12/1975, p. 13.

24 Chegou a ser veiculada a notícia de que estariam em causa os salários dos trabalhadores nos meses seguintes. Cf. Diário de Lisboa, 18/12/1975, p. 5. Segundo o semanário O Tempo, o DN “ocupa 800 pessoas mas a empresa tem no seu total 1289 trabalhadores. Os seus prejuízos ascendiam a 60 000 contos o que é devido não só às vendas (que não decresceram tanto como se dizia no exterior) mas principalmente à quebra da publicidade. O jornal fez 12 000 contos de publicidade em Março de 1974 e apenas 5000 contos em Agosto último. Se a publicidade retomasse o seu ritmo, o Diário de Notícias poderia voltar a equilibrar-se mas essa previsão é difícil, dada a situação económica deficitária que o País enfrenta”. Cf O Tempo, 18/12/1975, p. 17.

25 Ordem de serviço Nº ADM. 1/75, ENP.

26 Ordem de serviço Nº ADM. 1/75, ENP.

27 Daniel Ricardo e João Paulo Velez terão apresentado a sua demissão em 15/12/1975 e os restantes em 31/12/1975. Luís de Barros só apresentará a sua demissão a 10/1/1976. Cf. Lista dos jornalistas suspensos do DN após o 25 de Novembro – Arq. Sindicato dos Jornalistas. Note-se que, no caso de Daniel Ricardo, o próprio nega ter-se demitido, mas apenas escrito uma carta explicando a sua actividade no jornal e manifestando dúvidas quanto às razões da sua suspensão, tendo a Administração da ENP entendido tal carta como uma decisão de demissão por parte do jornalista. (Entrevista com Daniel Ricardo, Lisboa, 2011).

28 Entrevista com José Jorge Letria, Lisboa, 2011.

29 Vítor Cunha Rego esteve exilado durante cerca de 16 anos, tendo trabalhado em diversos meios de comunicação dos países por onde passou. Foi fundador do Directório Ibérico de Libertação (DIRL) e membro da Acção Socialista Portuguesa (ADP) desde a sua fundação; Mário Mesquita tinha sido jornalista do República e do Jornal Novo e deputado à Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista.

30 Diário Popular, 17/12/1975, p 11.

31 Expresso, 17/12/1975, p.1.

32 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.

33 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.

34 Diário de Lisboa, 19/12/1975, p. 5.

35 Diário de Lisboa, 19/12/1975, p. 5.

36 Diário Popular, 18/12/1975, p 13.

37 Diário Popular, 19/12/1975, p 12.

38 Entrevista com José David Lopes, Lisboa, 2011.

39 Entrevista com Daniel Ricardo, Lisboa, 2011.

40 Diário Popular, 19/12/1975, p 12.

41 Diário de Notícias, 22/12/1975, p.1.

42 Diário de Notícias, 22/12/1975, p.1.

43 O Primeiro de Janeiro, 3/1/1976, p. 5.

44 Mário Mesquita descreve, da seguinte forma, o ambiente que se vivia no interior do jornal: “A sensação que eu tinha quando andava lá nos corredores era que de repente podia saltar uma barra de chumbo ou uma coisa dessas com que eles trabalhavam, porque, de facto, o ambiente era muito desagradável” (Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011).

45 Diário de Lisboa, 14/1/1976, p. 7.

46 Diário de Lisboa, 14/1/1976, p. 7.

47 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.

48 O Primeiro de Janeiro, 13/1/1976, p. 5.

49 Jornal Novo, 28/2/1976, p. 11

50 O Primeiro de Janeiro, 18/4/1976, p. 5.

51 O Primeiro de Janeiro, 15/4/1976, p. 5.

52 Jornal Novo, 15/4/1976, p. 6.

53 O Primeiro de Janeiro, 18/4/1975, p. 5.

54 Ordem de Serviço Nº 2/76, 20/5/1976, ENP.

55 Ordem de Serviço Nº 2/76, 20/5/1976, ENP.

56 Diário de Lisboa, 26/5/1976, pp. 5-8.

57 Diário de Lisboa, 9/6/1976, p. 8.

58 Entrevista com Mário Mesquita, Lisboa, 2011.

59 Diário de Lisboa, 9/1/1976, p. 6.

60 Diário de Notícias, 10/2/1976, p. 2.

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Para citar este artigo

Referência do documento impresso

Pedro Marques Gomes, «O Diário de Notícias e o 25 de Novembro de 1975: um momento de mudanças»Comunicação Pública, vol.7 n11 | 2012, 23-40.

Referência eletrónica

Pedro Marques Gomes, «O Diário de Notícias e o 25 de Novembro de 1975: um momento de mudanças»Comunicação Pública [Online], vol.7 n11 | 2012, posto online no dia 14 outubro 2013, consultado o 28 março 2024. URL: http://journals.openedition.org/cp/178; DOI: https://doi.org/10.4000/cp.178

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